Em O Assunto, Julian Peréz-Cassarino, professor da Universidade Federal da Fronteira Sul e pesquisador da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar conversou com a jornalista Natuza Nery após a aprovação no Congresso do Programa de Aquisição de Alimentos. O programa completo pode ser ouvido aqui.
Julian explica que o programa é chave no combate à fome por atuar nas duas pontas: doa alimentos para famílias em situação de insegurança alimentar e viabiliza a comercialização para agricultura familiar. “Ao mesmo tempo que a gente garante a oferta de alimentos saudáveis apar pessoas na cidade, a gente também garante a geração de renda para famílias rurais – agricultores familiares – que são aqueles que comercializam seus produtos nesse programa”, explica.
Perguntado sobre os entraves na tramitação, o pesquisador conta das tentativas políticas de barrar o programa como, por exemplo, a emenda que pretendia retirar a dispensa de licitação, que vai contra o propósito do PAA já que as cooperativas e pequenos produtores não conseguem se adaptar aos procedimentos burocráticos desse processo. “Se criaram mecanismos rigorosos de controle de uso dos recursos, das compras, daquilo que é entregue pelos agricultores, porém adaptados à realidade da agricultura familiar”, explica.
Segundo Julian, chegamos a destinar em 2013 em torno de R$1 bilhão para o programa – que foi crescendo desde sua implementação em 2003. Em seu auge, quase 300 mil toneladas de alimentos foram adquiridas pelo PAA e distribuídas por 24 mil organizações em todo Brasil. Desde então o programa foi diminuindo e praticamente zerou, com excessão ao primeiro ano da pandemia quando R$500 milhões foram destinados à agricultura familiar e entregues em alimento.
Com a retomada, será preciso também que os agricultores reestruturem suas operações para conseguir atender às demandas do programa, como diversificar suas produções – segundo o professor é comum agricultores entregarem 20 tipos de alimentos – e se adaptarem para sistemas de produção mais sustentáveis. Para isso, haverá uma volta da política de assistência técnica e extensão rural e da política de agroecologia e produção orgânica, além de mecanismos de infraestrutura.
Cozinhas Solidárias
A jornalista questiona sobre o papel das Cozinhas Solidárias no estimulo à agricultura familiar, ao qual Julian responde que assim como o PAA, o programa apresentado pelo deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP), atua no combate à fome. Ele as define como “equipamentos públicos de segurança alimentar e nutricional, porém geridos por organizações da sociedade civil” e as coloca como um destinatário do que for produzido pelos pequenos agricultores do PAA.
A intenção, segundo Julian, é que com a inserção das Cozinhas Solidárias no Programa de Aquisição de Alimentos, a política seja disseminada pelos municípios brasileiros.
“A gente vai fechar uma cadeia muito bonita da segurança alimentar e nutricional no Brasil, que é juntar desde às famílias que estão produzindo os alimentos, levar isso para as cozinhas de outras famílias que estão trabalhando de forma solidária, voluntária para alimentar pessoas em situação de vulnerabilidade social, chegando até a refeição final”, coloca.
Dificuldades e desmontes
Para Julian, hoje será mais difícil acabar com a fome e a insegurança nutricional do que foi nos primeiros governos do presidente Lula. Ele explica que além do quadro da fome, houve um grande desmonte das políticas públicas e cita como exemplo os quatro anos que passamos sem reajuste no programa de alimentação escolar.
Em São Paulo, uma falha no fornecimento contratado pela Secretaria Municipal de Educação deixou as escolas sem feijão desde março de 2023, substituindo o alimento básico dos brasileiros e conhecido das crianças e merendeiras por lentilha, ervilha e grão de bico. Há relatos de crianças que deixaram de comer na escola.
Otimismo
Por outro lado, o pesquisador vê vantagem e acha que podemos nos beneficiar da experiência anterior que já tirou o Brasil do Mapa da Fome e também das iniciativas de combate à fome da sociedade civil durante a pandemia.
Julian se declara otimista sobre o combate à fome no Brasil neste momento porque percebe, de dentro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o assunto é uma prioridade do Governo Federal e acaba pautando políticas regionais no mesmo caminho. Natuza lembra que dentro do governo há duas pessoas que passaram fome: o presidente Lula e a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. “Quem passou por isso não tem como estabelecer outra prioridade na vida que não seja tirar outras pessoas dessa situação” Julian completa.
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