CARTA ABERTA AO PREFEITO E AO SECRETÁRIO MUNICIPAL DE URBANISMO E LICENCIAMENTO SOBRE A REVISÃO DA LEI DE PARCELAMENTO, USO E OCUPAÇÃO DO SOLO (LPUOS)
No dia 04 de agosto de 2023, a Prefeitura Municipal de São Paulo e a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) divulgaram na plataforma Participe+ a consulta pública da nova Minuta Final de Projeto de Lei para a Revisão Parcial da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS), conhecida como Lei de Zoneamento. Segundo o texto divulgado na plataforma, essa revisão parcial “tem o objetivo de rever aspectos pontuais para a melhoria da aplicação da legislação de 2016 e promoverá compatibilizações necessárias em vista da Revisão Intermediária do Plano Diretor Estratégico (PDE)”. A consulta pública ficará aberta até 25 de agosto, período durante o qual a Prefeitura também realizará audiências públicas e reuniões com órgãos colegiados, conforme divulgado na plataforma Gestão Urbana.
Considerando a relevância do debate sobre a revisão da Lei de Zoneamento, que compõe o Marco Regulatório da Política Urbana do município de São Paulo;
Considerando que a Lei de Zoneamento disciplina como os terrenos da cidade devem ser ocupados, regulamentando o tamanho das construções, os usos e atividades permitidos e a relação entre imóveis e espaços públicos;
Considerando as diretrizes da LPUOS vigente (Lei Municipal nº 16.402/2016), em especial: qualificação do adensamento demográfico; incentivo à promoção de construções sustentáveis; preservação e proteção das unidades de conservação; adequação do uso do solo aos modos de transporte não motorizados; promoção de habitação de interesse social de forma integrada; e, simplificação das regras de parcelamento, uso e ocupação do solo;
Considerando os princípios de controle social, transparência, participação popular e a importância de um amplo debate público sobre este tema que interfere diretamente na vida dos cidadãos paulistanos;
Considerando o processo recente de revisão do Plano Diretor Estratégico tanto no Poder Executivo como no Poder Legislativo, que ensejou inúmeras críticas e manifestações de descontentamento da sociedade civil;
Solicitamos ao Prefeito Ricardo Nunes e ao Secretário Municipal de Urbanismo e Licenciamento Marcos Gadelho a suspensão do atual cronograma, observando as críticas e as propostas para melhoria nos procedimentos do processo de revisão da Lei de Zoneamento, a fim de promover um debate qualificado, embasado tecnicamente e com efetiva participação social.
Com relação ao conteúdo:
1 – Ausência de mapas
A nova Minuta e seus Anexos I, II e III não apresentam o Mapa geral do zoneamento. Não existe lei de zoneamento sem mapa que demarque os perímetros de cada zona no território da cidade. A elaboração deste mapa deve ser realizada pela equipe técnica de SMUL de maneira simultânea e em diálogo com o novo texto proposto. Texto e mapa são indissociáveis, não é possível avaliar a minuta e seus anexos isoladamente. A ausência de mapa inviabiliza o processo das audiências públicas e das reuniões colegiadas.
2 – Ausência de documento técnico
A nova minuta e seus Anexos I, II e III não estão acompanhados de documentos que exponham os estudos realizados pelas equipes técnicas competentes, em especial aqueles que trazem a avaliação do desempenho da atual Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (Lei 16.402/2016) justificando as alterações propostas. Embora a descrição do documento faça menção a ajustes decorrentes da compatibilização com o texto da revisão do PDE e com a Ação Direta de Inconstitucionalidade, esses ajustes e suas respectivas justificativas não estão explicitadas nos documentos apresentados. Esses documentos são importantes tanto para a melhor compreensão das alterações propostas quanto para a transparência e a lisura do processo.
3 – Ausência de dispositivos de enfrentamento para os problemas que se evidenciaram com as transformações recentes da cidade
As transformações recentes em todas as regiões da cidade de São Paulo evidenciaram a necessidade de revisão participativa e ajustes adequadamente justificados e bem fundamentados da Lei de Zoneamento. A avaliação e o diagnóstico da dinâmica urbana no período de vigência da atual LPUOS deve fundamentar as propostas de ajustes. Alguns aprimoramentos sugeridos por pesquisas recentes são: restrição do uso de áreas não computáveis para licenciamento de empreendimentos imobiliários no grupo de atividades nR1-12; aperfeiçoamento dos parâmetros de regulação da fachada ativa e de melhorias de calçadas; compatibilização entre adensamento e proteção ao patrimônio cultural; compatibilização entre verticalização e patrimônio ambiental urbano; revisão de parâmetros de impacto de vizinhança; ampliação da provisão habitacional para as populações de baixa renda nas ZEUs e ZEMs; e, regulação e controle da destinação da produção privada de HIS[1]
[1] Esses são alguns dos aspectos sintetizados no “Caderno de Resumos” publicado pelo Fórum SP 23. Disponível em: https://www.iabsp.org.br/forumsp23/caderno_de_resumos.pdf
Com relação aos procedimentos:
1 – Prazos insuficientes para análise e contribuição
A minuta divulgada em 04 de agosto apresenta um novo texto que não era de conhecimento dos órgãos colegiados e da sociedade civil. São 12 dias entre a divulgação da minuta e as novas reuniões colegiadas e audiências públicas, sem que tenham sido apresentados materiais ilustrativos que permitam uma compreensão mais fácil para a população em geral. Este período é insuficiente para a adequada análise crítica do texto e seus anexos por técnicos e leigos e a elaboração de propostas que contribuam com o processo.
2 – Quantidade e formato das audiências públicas
A agenda divulgada prevê 5 audiências públicas virtuais para debate da nova minuta: uma audiência geral e uma audiência por região (Sul, Leste, Centro-Oeste e Norte). A realização de uma audiência por região não considera as dimensões territoriais da cidade e as especificidades de cada território, que merecem atenção e debate com a população local. É necessário realizar também audiências com segmentos sociais específicos. Além disso, o formato exclusivamente virtual das audiências pode restringir o acesso à população mais vulnerável que deseje participar do debate.
3 – Ausência de informações sobre a etapa devolutiva
O material divulgado até o momento nas plataformas Participe+ e Gestão Urbana não mencionam os procedimentos, materiais de divulgação e cronogramas para a etapa devolutiva. A etapa de devolução sobre as contribuições oriundas da participação social é fundamental para que a participação seja real. Dessa maneira, a população e representantes dos órgãos colegiados não têm clareza de como será o retorno e consideração de suas propostas pelo Executivo.
O que propomos:
1 – Apresentação do material completo
A retomada da consulta pública e da agenda participativa só deve acontecer com a publicação de um novo material em conjunto com a minuta e anexos apresentados, contendo:
a) Mapa de Zoneamento
b) Documentos técnicos que exponham os estudos e as avaliações sobre a atual LPUOS realizados pelas equipes técnicas competentes, justificando as alterações propostas
c) Materiais ilustrativos e vídeos explicativos que possibilitem a compreensão da proposta de zoneamento pela população
2 – Reuniões com órgãos colegiados e segmentos sociais específicos
Os órgãos colegiados são instâncias de debates e aprimoramento da proposta previamente à consulta pública e à agenda de participação, sendo um espaço de contribuição de representantes da sociedade civil eleitos democraticamente e com conhecimento técnico e vivências em áreas afins aos temas debatidos. Essas reuniões não podem se restringir à apresentação da proposta pelo Executivo, é necessário que seja realizada uma agenda de reuniões que permita a efetiva contribuição de seus membros, com pelo menos uma reunião inicial e uma reunião de devolutiva. Além disso, pela relevância, a revisão do zoneamento deve ser pauta de outros órgãos colegiados além de CMPU e CTLU, como: CPM, CMH, CMTT, CADES, CEUSO, CPPU, Conpresp e grupos gestores das Operações Urbanas. Ademais, propõe-se realizar reuniões com segmentos sociais específicos como: movimentos sociais e populares, organizações não governamentais, instituições de ensino e pesquisa, entidades profissionais, sindicatos de trabalhadores, associações de moradores de bairro, entre outros.
3 – Apresentação de novo cronograma que inclua etapa devolutiva
Publicação de um novo cronograma com prazos adequados, incluindo os procedimentos e a agenda para a etapa devolutiva da participação social. A população não pode ser ouvida somente em 5 audiências, deve, no mínimo, haver audiências devolutivas acompanhadas da publicação e da apresentação de relatório final comparativo do texto inicial e final da minuta, contendo as justificativas técnicas para incorporação ou não das contribuições.
São Paulo, 14 de agosto de 2023.
Instituto dos Arquitetos do Brasil – Departamento de São Paulo
Assinam em apoio:
- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, representada pelo Prof. Dr. João Sette Whitaker Ferreira (Diretor)
- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, representada pela Profa. Dra. Angélica Benatti Alvim (Diretora)
- Escola da Cidade – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, representada por Vinicius Andrade (Diretor )
- Uninove – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, representada por Prof. Dr. Daniel Todtmann Montandon (Diretor )
- Fórum SP 23, representado por Prof. Dr. Nabil Bonduki (Coordenador Geral)
- Comissão da Política Urbana, Ambiental e Territorial do Conselho de Arquitetura e Urbanismo da São Paulo CAU-SP
- Comissão de Direito Urbanístico da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
- Observatório de Lutas Urbanas do Instituto das Cidades da Unifesp
- Instituto Pólis
- BrCidades
- Instituto ZeroCem
- Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo
- Minha Sampa
- Movimento Parque dos Búfalos
- Entidade Oekoscientia
- Defenda Parque da Previdência
- Coletivo Jurubatuba Mirim
- Amigos da Mata Esmeralda
- AMAPP Associação dos Moradores e Amigos dos Predinhos de Pinheiros
- Associação AACHAA
- Pró-Pinheiros
- Associação de Moradores da Vila Mariana
- Associação dos Amigos da Praça João Afonso de Souza Castellano
- Associação Moradores da Vila Nova Conceição
- SAVIMA Sociedade Amigos de Vila Madalena
- Fórum da Pessoa Idosa de Pinheiros
- Salve Saracura
- UrbiCarto Planejamento Territorial
- Movimento Parque Linear Caxingui
- Associação Amigos da Praça João Afonso de Souza Castellano
- Verdi | hortas e jardins comestíveis
- Fórum de trabalho social em habitação
- Associação dos Moradores do Alto da Boa Vista- SABABV
- SAMAVA – Associação dos Moradores e Amigos da Vila Alexandria
- Associação Nossa Guarapiranga
- Fórum da Pessoa com deficiência da Vila Mariana
- Pastoral das Pessoas com Deficiência da Arquidiocese de São Paulo/ Região Episcopal Ipiranga
- Sociedade Amigos da Cidade Jardim, SACJ
- SOMASU – Associação de Moradores e Amigos do Sumaré
- Soul Urbanismo
- Associação Viva Moema
- Coletivo das Vilas Beatriz, Ida e Jataí
- SAAP – Associação dos Amigos Alto dos Pinheiros
- Sarah Feldman, professora IAU-USP, conselheira consultiva IAB
- Francesca Angiolillo, conselheira consultiva IAB
- Bianca Tavolari, CEBRAP, conselheira consultiva IAB
- Bike é Legal
- Mobilize Brasil
- Instituto Macuco
- Sindicato dos Arquitetos (SASP)
- AMORA Perdizes, Associação de moradores e amigos de Perdizes
- Associação de Amigos Jardim dos Jacarandás
- IPAN – Instituto Panamericano do Ambiente e Sustentabilidade
- EngD – Engenharia pela Democracia
- Centro de Preservação Cultural da USP (CPC-USP)
- Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
- FACESP – Federação das Associações Comunitárias do Estado de São Paulo
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